A viagem de D. Pedro II a Minas Gerais

I – Viajar

Que percurso, que distância, que tempo é necessário transpor para dizer que houve uma viagem? O que envolve esse empreendimento em coragem, disposição, curiosidade, épico enfrentamento? Viajar é mais do que mero deslocamento, envolve espírito, cultura, civilização, pode envolver política, guerra, pacificação, afirmação. Viagem só existe quando há acrescentamento, o mais pode ser rotina movimentação puramente mecânica, fuga, desespero, tanger imperioso de necessidades vitais, encontro com o abominável. Motivos e finalidades, fantasias e decepções, viabilização do porvir, fracasso e comprometimento de posição, muito mais do que sugere a leitura rasa da palavra, pois seus ares são densos e seria um grave erro supor que pudessem ser rarefeitos.

Do tanto que se pode viajar, a mais remota antiguidade registrou em sítios arqueológicos a movimentação da humanidade pelo globo terrestre, algumas vezes superando o que parecia ser natural destino, outras vezes soçobrando notavelmente. Clima, solo, tecnologias básicas se refinando, agricultura, cerâmica, forja de metais, formação de cidades, constituição de reinos, o surgimento da escrita, tudo colaborando para que conhecimentos fossem se acumulando e transmitindo, alimentos e pestes ganhando continentes, um aprendizado incessante ao custo de vidas e de opções melhores para o presente e para a posteridade. As melhores escolhas não foram necessariamente as que ditavam a razão do momento, porém aquelas que permitiram sobrevivência, continuidade, aperfeiçoamentos de força e estratégias.

Desde quando se enxergou no outro, a humanidade deu-se conta de não estar só e de que seria impossível ir adiante sem diversidade, a despeito de cada qual desejar se impor aos demais. Os lugares, as cidades, os sítios, a tradição oral, a poesia, a literatura ficcional, os romances, as pesquisas históricas, a sociologia, a antropologia, a filosofia, as ciências naturais, as matemáticas, as artes sociais e muito mais se conheceu e se propagou ao custo da comunicação entre povos presentes e passados, em realidades que se implicaram reciprocamente para o resultado que somos e para o que deixaremos como legado.

II – Algumas viagens exemplares

As gestas de Eneias, contadas por Virgílio para efetuar a ligação de Roma a uma origem divina que justificasse sua dominação como grande império europeu de todos os tempos, exemplo de civilização e cultura clássica assimilada da Grécia, não formam uma experiência de vida terrena, mas são, possivelmente, a maior aventura formadora de um povo. A fuga de Troia invadida e incendiada, por mar, feita por Anquises, Eneias e Ascânio, três gerações diretamente ligadas umas às outras, até o desembarque na costa italiana, a vitória sobre povos locais e a fundação de uma estirpe que culmina no imperador Octaviano Augusto, filho adotivo de Júlio César, consegue fundir mitologia, heroísmo, história, geografia e política. Roma, assim, se une à Grécia mitológica e o nome de Caesar Troianus assimila Otaviano a Eneias e o futuro se faz do passado. Portentosa viagem de múltiplos signos e significados.

Em ambiente menos glorioso, já ao final da Baixa Idade Média, quando a Inglaterra ainda não ostentava as feições da modernidade e do esplendor da dinastia Tudor e os caminhos internos eram perigosos, pois havia conflitos contra País de Gales e Escócia, nas ilhas, e com a França, no continente, Chaucer apresenta The Canterbury Tales. Conta a jornada de Londres a Canterbury, feita por vinte e nove peregrinos, para visitação ao túmulo de St. Thomas Becket, assassinado na condição de Arcebispo de Canterbury, que se ofertou em holocausto pela salvação da Igreja e dos fiéis, ante os quatro cavaleiros incumbidos por Henrique II da empreitada mortífera. Narrativa em contos que une história, experiência de vida, práticas vãs, fé e licença literária, foi o ponto de partida para a vasta produção escrita britânica, mesmo dos seus maiores e mais consagrados autores.

No último quartel do século XVIII, Goethe empreendeu sua famosa viagem à Itália, em que cuidou de seus numerosos interesses intelectuais, não se restringindo à literatura. Embora seja costumeiramente lembrado por obras como Fausto, Os sofrimentos do jovem Werther, As afinidades eletivas e muitos outros títulos, tratava-se de espírito que se poderia classificar facilmente como de interesses universais e enciclopédicos. No volume Viagem à Itália, mais do que diário, ensaio autobiográfico e cartas, há o homem e sua época, sua curiosidade, vontade de saber, espaço e história integrados. Hábitos de intelectual que diferencia o percurso do tempo pela geografia; não se trata de antecipação de visão como a da relatividade em Einstein, porém, é mais do que sugestiva e, pode-se dizer, essencial à compreensão do autor e de sua obra, do conhecimento de época e do que se poderia validamente projetar.

Estas são apenas algumas possibilidades de histórias exemplares que dizem mais do que simples relatos e de cuja apreciação se pode extrair muito de válido ao conhecimento de outras épocas, lugares e pessoas, motivos, conexões, condicionamentos, interferência do derredor, amadurecimento no percurso da vida.

De quando se inicia uma viagem

Vários critérios podem ser utilizados para definir o momento em que uma viagem se inicia. Para comum mortais, seguramente começa quando se põe o pé na estrada, mas não é assim para todos. Há pessoas e estirpes que existem para viajar, sem o que não cumpririam sua natureza ou o que de tais pessoas se poderia esperar; para pessoas assim, a vigem começa com o próprio nascimento, passando por todas as fases da vida, até estar pronto para o ato de heroísmo que delas se espera. Há aquelas pessoas para quem viagens são imaginação, pessoas que se servem da literatura para alterar estados mentais, provocando distanciamento e alheamento de tudo quanto desinteressante houver, concentrado a atenção em propósitos que deslocam o espírito, como se fosse destinado a fluir apenas pelo previamente definido.

Viajar não demanda programação, estudo, seriedade de propósito, alegria, sobriedade, tristeza, estados de expansão ou, até, de recolhimento. Toda viagem é deslocamento, por terra, água ou ar, tração humana, animal ou motor, poluente ou não, por estados de consciência e de imaginação curiosidade e introspecção. Há o deslocamento temporal na obra de arte significativa de uma idade, como também há naquelas que existem como signos de espírito, mais do que de técnica, ainda que seja das mais elevadas, como ocorre ao visualizar uma certa gravura de Dürer.

Estado de melancolia

O tempo que medeia entre a deliberação e a realização de nossas obras essenciais forma o ambiente da melancolia, tanto maior quanto for o descompasso entre a vontade e a realidade. Cada pessoa vive, com ou sem reflexões, seus momentos ou, até mesmo, uma vida inteira de estados alterados de furor, ira, sublimação entristecida, introspecção, criação torturada, depreciação da autoestima, sonho inglório, desejo contido, sem originalidade, mas com traços personalíssimos que constituem uma espécie de identidade anexa à imagem social que ostenta. As mais tenazes dores da alma são causadas por perdas de quem mais próximo e necessário, o que é comum verificar na história dos líderes de todas as culturas e nações, de chefes de Estado, de quem se doa por uma causa e essa causa direciona a quase totalidade de sua energia e poder de criação. A melancolia dos chefes de Estado forma par com suas responsabilidades de ser exemplo e decisor em cada movimento e tudo seu é prenhe de significado.

Dos males do espírito, nem todos podem ser curados, não porque inexistam terapias suficientes e eficientes, antes por não se distinguir circunstância de essência e/ou não se poder operar uma tal distinção na vida de quem incorpora ser signo e significado de um povo. Há um invisível desequilíbrio quando assim ocorre, algo que se carrega pela trajetória de uma vida que se confessa apenas em diários, anotações e cartas. Certamente que o abandono de vestes cerimoniais tentará dominar o espírito melancólico, sob cuja resistência repousa a estabilidade dos que dele dependem ou dos que o seguem. O compromisso desse conhecimento é responsabilidade que não se abandona sem grande perda para todos.

Tudo isso deve ser notado com diferenças do que se denomina luto e pode parecer muito semelhante. Há no luto merencória expressão de perda do que jamais será reposto ou substituído; o ser perdido não retorna, nenhuma substituição é possível. A solidão e o medo podem interagir com o luto, porém não formam sua essência ou consequência. A primeira quadra, da segunda estrofe de Viajando para Bizâncio (Sailing to Byzantium, de Yeats, em tradução de Augusto de Campos) bem ilustra esse estado e sentimento:

Marcos da jornada de D. Pedro II

Se o início da vida muito define da pessoa, a jornada de D. Pedro II teve início já na expectativa de sua chegada, pois faltava ao imperador, D. Pedro I, um sucessor, pois tivera apenas filhas e o trono, por suas regras, deveria ser entregue a um homem, admitindo-se a sucessão por uma mulher somente na falta de filho homem, como aconteceu com D. Maria, I, mãe de D. João VI e bisavó de D. Pedro II, situação que se repetiria em favor de Maria da Glória, sua irmã mais velha, que se tornou, aos sete anos, D. Maria II em Portugal. D. Pedro I teve com sua primeira esposa, D. Leopoldina, sete filhos, por ordem de nascimento: Maria da Glória, Miguel (falecido logo após nascer), João Carlos (falecido antes de completar o primeiro ano de vida), Januária, Paula, Francisca e Pedro, futuro imperador do Brasil. Tratava-se, portanto, seu nascimento de fato aguardado com grande esperança e nascer já implicava enormes responsabilidades.

O império, nos seus dias iniciais, vivia tormentos frequentemente causados pelo próprio D. Pedro I, com sua falta de talento para a chefia de Estado e as tantas desordens decorrentes de seu desregramento pessoal. Ainda assim, buscou ser presente na vida do filho, que do pai, confessadamente, não conservou maiores lembranças. Por ter D. Leopoldina falecido ainda muito nova, em dezembro de 1826, seu filho caçula não tinha idade suficiente para dela guardar memórias. D. Amélia de Leuchtenberg, segunda esposa de D. Pedro I, ocupou para sempre, na lembrança do filho de seu marido, o lugar de mãe, sentimento e respeito registrados em escritos privados ainda hoje conservados.

Os anos iniciais do novo país e daquele que nasceu para governar transcorriam com ilusões, em meio a crises políticas sem fim, enfrentamentos atabalhoados, trocas de ministros, desconfiança pública, confinamento na residência da família imperial, em São Cristóvão, desconhecimento das dimensões das terras e dos povos que deveriam se transformar em Nação. A monumentalidade da crise política e o vislumbre do trono de Portugal levaram D. Pedro I, aos 7 de abril de 1831, a renunciar ao trono brasileiro em favor de seu filho caçula havido com D. Leopoldina, que abandonou com apenas cinco anos. Os fatos pesaram sobre a criança, que foi coroada como novo imperador em 14 de abril, um dia após seu pai partir para jamais retornar. Órfão de mãe, afastado daquela que afetuosamente a ele se dedicou, D. Amélia de Leuchtenberg, tendo um pai que o abandonou, inexistindo parentes paternos ou maternos no império, salvo as três irmãs que aqui permaneceram (Maria da Glória foi levada pelo pai para Portugal), o novo imperador teve toda a vida para sentir solidão e temer pela solidez do país que lhe foi entregue ainda na infância.

O Brasil e a América do Sul nas décadas seguintes

O período do segundo império foi particularmente intenso, interna e externamente. Revoltas, movimentos de independência, questionamentos ao poder monárquico, sucessão de gabinetes frustrados, escravagismo anacrônico, divisão política e economia atrasada, sentimento de exploração contra as potências colonizadoras, discriminações de largo espectro. Tudo era possível e pouco e bem pouco se oferecia em retorno aos sacrifícios da população, seja em serviços como em comodidades hoje tão corriqueiras. Revoluções continentais não se fazem sem ambiente continental alvoroçado e circulação de ideais e ideias, sem criação de ideologias e descuido político generalizado, cuja solução pode demorar décadas e até mesmo séculos.

O legado político de um governante pode ser de prosperidade como de instabilidades. Pedro II recebeu o legado de instabilidades da inabilidade de seu pai paga governar e tudo se pode dizer que tinha raízes no século XVIII, desde os desatinos de D. Maria I, a Piedosa, também conhecida como a Louca, melhorando um pouco com D. João VI e deteriorando com D. Pedro I. Coube à criança abandonada, uma prefiguração do próprio país nos tempos republicanos, incorporar a solução política de tantos conflitos, assegurar a coesão interna, unir os diversos povos existentes no território nacional por uma língua, satisfazer ritos da religião e da governança, ser exemplo de virtudes que não lhe foram ensinadas pelo próprio pai.

De 1808 a 1833 explodiram guerra de independência em toda América Espanhola, convulsionando o continente e cercando o Brasil de pretensões nem sempre amistosas. Cercando único país lusófono da América do Sul, tivemos a guerra de independência da Argentina (1810 a 1818), independência do Uruguai (1825), do Paraguai (1811), da Bolívia (1809, com acréscimo de 16 anos de revoltas e lutas para implantação da forma republicana, ocorrida em 1825), da Venezuela (1811), da Colômbia (1810), guerra de independência do Peru (1811 a 1824), movimento de independência do Chile (1817 a 1818), do Equador (declarada em 1809, guerras até 1822 e forma republicana adotada em 1830). Nenhuma independência se fez sem convulsões sérias, mesmo posteriores às formalizações do direito internacional, afetando a segurança das relações internacionais e gerando conflitos ou acirramento de conflitos por questões territoriais e guerras regionais. Houve, por todo o século XIX, grandes desafios políticos, econômicos e sociais, no ambiente externo, o que era já muito exigente.

No ambiente externo, além dos movimentos independentistas, houve ainda as seguintes guerras de que o império brasileiro participou no século XIX: Guerra Cisplatina (envolvendo Brasil contra Argentina e rebeldes uruguaios, de 1825 a 1828); Guerra contra Oribe e Rosas (unindo Brasil, Uruguai e rebeldes argentinos contra a Argentina, de 1850 a 1852); Guerra contra Aguirre (envolvendo Brasil e rebeldes uruguaios contra o Uruguai, de 1864 a 1865); Guerra do Paraguai (envolvendo Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai, de 1865 a 1870).

Internamente, o ambiente político e social não era menos desafiador. No período pós independência, até 1881, ocorreram dezenas de conflitos, pelas mais diversas regiões, demandando dispêndio de forças e capacidade de aglutinação política, tais como: Confederação do Equador (1823 a 1824, com pretensões separatistas do atual nordeste brasileiro); Noite da Agonia (fechamento do Poder Legislativo por D. Pedro I, em 1823, por época da nossa primeira constituinte, tendo ocorrido prisão e deportação de deputados, como os irmãos Andrada); Revolta dos Mercenários (enfrentamento militar contra o império brasileiro, no Rio de Janeiro, em 1828, no contexto dos acontecimentos que culminaram com a independência do Uruguai); Noite das Garrafadas (enfrentamento de brasileiros e portugueses, no Rio de Janeiro, em 1831); Cabanada (insurreição em Pernambuco e Alagoas, entre 1832 e 1835); Federação dos Guaranis (revolução separatista da Bahia e adoção do regime republicano, em 1832); Revolta do Ano da Fumaça (também conhecida como Sedição Militar de 1833, ocorrida em Minas Gerais, decorrente do período de regência, por insatisfação popular, em Ouro Preto); Revolta das Carrancas (também conhecida como Levante de Bella Cruz, revolta de escravos em propriedades da família Junqueira, no Sul de Minas Gerias, em 1833); A Rusga, conflito entre monarquistas e republicanos em Cuiabá, em 1834); Cabanagem (também conhecida como Revolta dos Cabanos, revolta popular no Grão-Pará, região dos atuais estados do Pará, Amazonas, Amapá, Rondônia e Roraima, de 1835 a 1840); Revolta dos Malês (conflito religioso, liderado por escravos islâmicos, ocorrido na Bahia, em 1835); Revolução Farroupilha (também conhecida como Guerra dos Farrapos, foi revolução separatista, com pretensão republicana, no Rio Grande do Sul, de 1835 a 1845); Sabinada (revolta popular na Bahia, com pretensão separatista, de 1837 a 1838); Balaiada (também conhecida como Guerra dos Bem-te-vis, foi a maior revolta popular no Maranhão, de 1838 a 1841); Revolta Liberal (revolta ocorrida em Minas Gerais e São Paulo, após a queda do Gabinete Liberal e ascensão do Gabinete Conservador, em 1842); Revolta dos Lisos (revolta liberal em Alagoas, contra supostos favores do governo provincial aos liberais, em 1844); Motim Fecha-Fecha (manifestação popular antecedente da Insurreição Praieira, Pernambuco, em 1844); Motim Mata-Mata (manifestação popular antecedente da Insurreição Praieira, Pernambuco, de 1847 a 1848); Insurreição Praieira (rebelião liberal e republicana, contra os conservadores, em Pernambuco, de 1848 a 1850); Revolta do Ronco de Abelha (protestos populares em diversas províncias, a partir de Pernambuco, contra a política do governo imperial, motivados pelos Decretos797 e 798, que determinavam censo populacional e registros de nascimentos e de óbitos, de 1851 a 1854); Levante dos Marimbondos (também conhecido como Guerra dos Marimbondos, foi levante das províncias de Pernambuco, Ceará, Alagoas e Rio Grande do Norte, feito por sertanejos temerosos de perder sua condição de alforriados e retornarem ao cativeiro, por força dos Decretos 797 e 798, em 1852); Revolta da Fazenda Ibicaba (também conhecida como Revolta dos Parceiros e Revolta dos Imigrantes, foi revolta de trabalhadores estrangeiros contra as condições de trabalho na Fazenda Ibicaba, em Limeira, em São Paulo, em 1857); Motim da Carne sem Osso (rebelião popular, nas ruas de Salvador, contra a carestia e a qualidade da carne vendida, na Bahia, em 1858); Revolta dos Muckers (também conhecida como Campanha do Morro do Ferrabrás, foi conflito armado entre militares e religiosos em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, de 1868 a 1874); Revolta do Quebra-Quilos (insurreição popular, nas províncias da Paraíba e, depois, de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas, contra a introdução de padrões de pesos e medidas de aceitação internacional, de 1874 a 1875); Guerra das Mulheres (também conhecida como Motim das Mulheres ou Revolta das Mulheres, foi insurreição popular feminina, em Mossoró, no Rio Grande do Norte, contra a obrigatoriedade do alistamento militar, de 1875 a 1876); Revolta do Vintém (insurreição popular contra a cobrança de tributo de um vintém sobre as passagens de bondes e trens, no Rio de Janeiro, em 1880).

O império, por ocasião da viagem de D. Pedro II à Província de Minas Gerais, estava abalado e cansado, tanto quanto o imperador. O que se havia vencido também significava muitas perdas e infelicitações. O caráter se forma por toda vida, aperfeiçoando-se. Solidão e temores acompanharam o imperador por toda sua existência. Para os padrões da época, um homem com seus 55 anos, dos quais 41 como Chefe de Estado, era já um velho cansado e suas energias haveriam de ser bem medidas. A viagem de 1876 aos Estados Unidos serve bem de exemplo para se aferir o estado de espírito do imperador, desgostoso com os encargos que não pediu para receber e que apreciaria repassar.

Viajar em 1881

Toda conduta do Chefe de Estado, queira ou não, é política, é observada e tem significado. O roteiro da visita à província de Minas Gerais foi cuidadoso, como era do hábito de D. Pedro II fazer. Haveria satisfação, cultura, conhecimento, estreitamento, identificação, vontades de permanecer e de retornar, simpatias e agradecimentos, inovações para o paladar, o sentido da gravidade do momento histórico, consolidação do império a cada planejado movimento, um cansaço enorme, compromissos inevitáveis, cidades acolhedoras, povos unificados, admiração pelas belezas naturais e pela imponência da obra de Deus. Por trilhos, a cavalo e de barcaça pelo Rio das Velhas, foram 36 dias de experiências e compartilhamentos.

Mineração, fauna, flora, detalhes da cultura, instituições, economia, religião, nada escapava a seu espírito ocupado inteiramente com a terra e o povo do país que sempre amou. Chegou mesmo, na visita à Mina de Morro Velho, a vestir roupas de mineiro. Tentava absorver tudo, com utilização de todos os sentidos. Em seu diário, anotações reservadas do que lhe agradava ou desagradava, um costume de toda a vida. Por onde passava a história se fazia e acrescentava. De Carandaí a Queluz (Conselheiro Lafaiete), Vargem do Lourenço e Ouro Branco, Ouro Preto, Rio Acima e Nova Lima, Mina de Morro Velho, de Sabará a Santa Luzia e o Mosteiro de Macaúbas, Lagoa Santa e Gruta da Lapinha, Sabará, Caeté, Mina de Gongo Soco, São João do Morro Grande (Barão de Cocais), Brumal, Colégio do Caraça, Catas Altas, Mariana, Inficionado (Santa Rita Durão), Bento Rodrigues e Camargos, Santo Amaro (Queluzito), Lagoa Dourada, São João Del Rei, Tiradentes, Barbacena, Juiz de Fora, São João Nepomuceno, Bicas, Sapucaia, Porto Novo, Pirapetinga, Pomba, Presídio (Visconde do Rio Branco), Ubá e Além Paraíba. Extenuante, no mínimo.

Presença, integração, saudade, Saint-Hilaire e Lund, Chão de minério e espaços de agricultura, ritos religiosos e deveres políticos, recato para anotações pessoais, companhia da imperatriz, passagem que alegra e traz boas lembranças.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress