O folclore político é sempre rico; tanto maior a riqueza quanto mais supersticioso e embaído o eleitor, mitômano o candidato, a legenda ou o dono dos votos. Assim ocorre nos grotões, assim ocorre nas cidades, assim ocorre mesmo nas metrópoles. De tudo, a causa é simples e, no estado atual, prescinde demonstração, tantas vezes já realizada: instrução débil, aliada a ideologia introjetada, líder messiânico, baixa articulação de ideias, desconhecimento da história local, nacional e universal e falta de mentalidade crítica. Em poucas palavras: ignorância radiante e convicta.
Com todo esse prestígio ufanisticamente autoatribuído pelos protagonistas do certame, entre casos e mais casos de eleições com ares provincianos, surgiu o cágado sobre o poste; o inepto beneficiário do dono dos votos. Figura terrestre e esquálida, de menor expressão que qualquer virtude e até mesmo que a noção de pecado. Triste felicidade daquele que pode dormir sem saber que pecou, pois sua inconsciência é límpida como a água remexida por um tapir.
E lá se foi mais um pleito eleitoral. Em terras de tupiorobó figurativo, o difícil é distinguir no horizonte o que está por acontecer com quem se suja com naturalidade e faz profissão de fé na própria insensatez como imposição de salvação para descrentes. Marcha de esquizofrênicos que protestam contra fracassos de amigos invisíveis e pedem proibição de medicamentos para que todos possam se expressar livremente. A coletividade se completa, a amplitude do alcance restrito de um se multiplica em vozes surdas a qualquer apelo.
O dono dos votos é personagem extraordinário, invariavelmente conta história de origem pobre, identificando a si próprio com a maioria, emana verve emocional tocante, angaria sorridentes simpatias por onde passa. É um universal da política. Dominante e vivaz, tem na argúcia seu maior predicado, é capaz de perceber o movimento dos ventos e das folhas mesmo antes de acontecer; antecipa fatos e os explora agudamente. É dessa forma que sua inviável candidatura não visa se eleger, pois isso não convém nem mesmo a ele, e traz no bornal um alimento que serve apenas para distribuir; dele não consome.
Em uma eleição bastante peculiar, o trovador bonachão, distribuidor de uma economia por outrem acumulada, firmou canhestro pedido de registro, contando com o indeferimento, apenas para causar barulho, animar prosélitos e transferir votos de véspera, não permitindo que o vero destinatário de suas intenções se perdesse em enfrentamentos para os quais suspeitava fosse desprovido de talento. E o tapir segue sua natureza pacata e gosto por encontros reprodutivos periódicos. Sua obesa insensibilidade, sua ignorância da própria força e inconsequência seriam suficientes para continuar sua vida desapegada e eloquentemente desprovida de atenção, não fosse quem o espreita.
