O que diz o tempo

Pronunciamento no IHGMG, em 21 de dezembro de 2024

I – Antes do tempo

Primeiro foi um teatro de acontecimentos violentos e transformadores, sem início ou fim, pois consciência não havia. Tudo acontecia desordenadamente, algo que a nós pareceria sem propósito, mas um propósito havia: preparar as condições necessárias para a vida. Algo aparentemente insignificante pode ter sido essencial e se nos fosse dado retroceder a isso, que não foi instante nem momento, perdido entre ciência, mitos, lendas e fé, melhor seria não tocar e nem alterar nada. Tudo que a respeito se possa dizer teria sido imprevisível, inclusive a posteridade, embora tudo se concatenasse para o resultado que somos. Uma espécie de templo para devoção, para encontro com um Deus ainda irrevelado: assim era o mundo em convulsão, um laboratório para o inimaginável, algo que a ciência aponta como combinação físico-química alcançando vida, que a pessoa de fé dirá ter sido o verbo em operação, criando céus e terra, luz contrastando com escuridão, águas e vidas, plantas, peixes, répteis, aves, tudo de todas as espécies, por fim, se fez o humano.

Entre criacionismo e evolução, fé e ciência, o conhecimento se estabeleceu na compreensão que o humano teve de si e do outro, da especificidade de cada integrante no cenário da natureza, dos alumbramentos que suplantam a humanidade. E o humano viu que tudo tem começo e descontinuidade, cumprindo de permeio o que é de sua natureza ou missão, e deu ao que ocorre entre o início e o fim, entre nascer e morrer, o nome de tempo. E o tempo foi repartido conforme a observação dos ciclos que despontam na natureza, como nós hoje catalogamos, com recursos telescópicos, do Observatório Gemini aos espaciais Hubble e James Webb, para enxergar os favores das safras e bilhões de anos-luz, conforme nosso olhar e cognição.

II – O que é o tempo?

Tempo, esse usurário que tudo corrói, guardando somente a si, que o rude enxerga na sazonalidade do alimento e o estudioso, nas distâncias que remontam ao primeiro momento. Ele, que encampa, aplaina e elastece, que corta, diminui e crema, que acrescenta e subtrai, multiplica e divide, tem ritmo e nos diz a escrita da vida, mas também aponta ao que passa sem nenhum proveito, tem no orador um cuidadoso alquimista que encanta sua plateia escandindo poesia, repetindo os fatos da história com fragrância que o intento do simplista não adivinha. Ele, que na quadra da nossa cidadania apática e dessacralizada, parece não se renovar, renova a humanidade com a celebração de um nascimento espiritual, mesmo que a carne esteja sujeita a extinção, prometendo a eternidade.

A eternidade em Minas Gerais escoa e, como café, se coa, frui e no tempo da vida humana se esgota, permanecendo na paisagem de nossas montanhas, vales, cursos d’água e cidades. O tempo, nas Minas e nos Gerias, é supra-humano, não se perde e nem se esgota, mas se frui, coado nas malhas que à alma atenta indica e ensina, faz-se mítico, tem lugares santos, ritos santos, um imemorial fundacional e que ainda não nos foi revelado, mas está em nossa tradição, na filosofia vivenciada nos sertões, na aspereza quase impensada de lavras, comércio, indústria, escolas, igrejas e espigões. Temos saudade do tempo paradisíaco da nossa infância, da inocência da humanidade, quando erro não havia e tudo era previsível; tudo, para nós, era descortino que à Serra do Curral transcendia e o que fosse imaginável era possível.

III – Morte e vida

O que une a humanidade é bom e deve ser cultivado, pois é amor; o que desagrega é ódio, desprezo e o que mais trai as finalidades da criação. O mundo pode ser oportunidade para pensamento, ação e emoção, tudo que importa, e não há necessariamente divórcio entre razão, ciência, fé e religião, apenas âmbitos de abrangência e atuação. Em um universo de causa e efeito, dessacralizado, precisamos de razões para o pensamento e de vazão para os sentimentos; nesse universo, cientificamente pregado, há apenas a cruza de realidades que jamais se distinguem; tudo é irreversivelmente igual a si mesmo e nada mais. Nesse universo há insuficiência crônica de admiração, louvor, reconhecimento e glorificação, tudo tão indispensável quanto a própria razão.

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