O estilo e a época

Cada movimento e estilo musical tem sua época e sua mensagem. Minha geração foi profundamente marcada pelo auge do rock’n roll. Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, Genesis, Yes, Deep Purple, Emerson, Lake & Palmer, Black Sabath, Triumvirat, Queen, Supertramp e tantas outras bandas fizeram sucesso e influenciaram de forma determinante a mim e meus amigos.

Fomos influenciados por outros estilos e mensagens na guerra fria das ideologias, mas o modo de expressão internacional da geração foi, sem dúvida nenhuma, o rock’n roll e é a esse fenômeno que me refiro. Artistas nacionais e sua importância merecerão abordagem em outra oportunidade.

Os Rolling Stones são, certamente, uma das bandas mais antigas ainda em ação, se não a mais antiga das que fizeram e fazem sucesso mundial. Honky Tonk Women é das músicas mais óbvias na enorme lista de hits que sustentam a fama sexagenária dos britânicos que formaram uma lenda em vida. À gravação original, de estúdio, mantiveram-se os Stones fiéis mesmo em shows, pouco alterando. São 56 anos desde o lançamento, em 1969.

A história narrada no poema musicado, bastante direta, diz o lugar, o convite, o estado de ânimo, o espírito do ambiente, os esforços mútuos de satisfação das expectativas próprias e o tipo de música que satisfazia a criação ficcional (um blues viciado do aroma que a letra diz). O esforço não está no poema, porém nos instrumentos, no arranjo e na interpretação, mas a satisfação está na mensagem e no entorno artístico.

Ouvi, recentemente, uma gravação unppluged com apenas Keith Richards (violão e vocal) e Mick Jagger (vocal principal), em estilo country. A letra é a mesma, mas o resultado é totalmente diferente. Não soa a mesma mensagem, embora a música seja evidentemente o grande sucesso do rock, apenas tocado e cantado em outro estilo. O entorno artístico, diria, faz a diferença, mas talvez não seja apenas isso.

A versão ao vivo, de 2003, gravada no Madison Square Garden, em Nova Iorque, tendo como convidada Sheryl Crow, é simplesmente sensacional, mas a presença feminina também altera o efeito da música, embora o estilo e a letra permaneçam fiéis ao original. É quase inevitável pensar tratar-se de outro espírito no mesmo corpo musical. A alternância de vozes traz outra intenção, adiciona algo que o original não incorporava; melhora, embora um espírito menos atento ou atilado possa não observar.

Poderia considerar outra música, outro estilo, outros artistas, outras variações. Não importa. O tempo, o estilo, o artista, a variação, tudo altera não apenas a música propriamente dita como, também, o resultado e, às vezes, até a mensagem. Há contextos que devem ser levados em consideração toda vez que se vai ouvir e analisar algum tema musical ou algum poema, musicado ou não.

Penso no que se concebe como plágio: mudando a intenção e o entendimento, a mensagem, embora reproduzidas a mesma letra e a mesma música, ainda que o arranjo não se altere significativamente, seria inteiramente plágio? Em uma visão restrita, a resposta será necessariamente afirmativa. Mas será a resposta correta para todos os casos? Algo que o futuro possivelmente alterará. O estreitamento das possibilidades da poesia e da música forçarão repensar o modo como se encara este tipo de questão.

O intérprete estabelece com a obra uma relação que deve ser empática, ou tudo ruirá em tormentoso fracasso. A entonação, a forma de cantar, o anasalado da pronúncia de certas regiões (Bob Dylan é o exemplo pronto e acabado disso), tudo influencia na mensagem que o artista pretende passar e na que efetivamente passa aos seus ouvintes. Dylan e Jagger cantando Like A Rolling Stone dizem a mesma mensagem, embora se diga que interpretam a mesma música?

A propósito, há uma gravação de Like A Rolling Stone, disponível no Youtube, de apresentação dos Rolling Stones e Bob Dylan, gravada no estádio do River Plate, em 1998. Como Mick Jagger e Bob Dylan não diziam a mesma mensagem, apesar de cantarem a mesma música, rigorosamente a mesma poesia, foi um desastre. Os artistas se admiravam, mas suas ideias sobre a música não coincidiam e nada poderia ter sido pior. Mas esse tema será objeto de outras considerações, oportunamente.

Naquele mesmo show de 1998, Lisa Fischer fez uma belíssima apresentação em Gimme Shelter. Uma cantora rara que ficou muito tempo relativamente desconhecida, embora premiada com um Gremmy em 1991, porque era a voz dessa música e de outros duetos. Custou retornar para a carreira solo. Os fãs dos Rolling Stones ainda agradecem e o farão pela eternidade.

Guardo das três versões mencionadas de Honky Tonk Women minhas impressões tão pessoais. Talvez alguém discorde inteiramente de mim, mas não importa. Cada pessoa constitui seu mundo com pressupostos que podem ser comuns a uma comunidade, a grupos diversos e até à humanidade, ou podem ser pressupostos personalíssimos, o que significa que cada pessoa terá a possibilidade de enxergar na arte uma representação de algum significante, nem sempre do mesmo significante pensado pelo artista ou pela maioria.

A beleza da arte está na multiplicidade de interpretações que pode ensejar e a beleza do espírito verdadeiramente moderno (ou seria pós-moderno?) é ser tolerante com todas as possibilidades, mesmo com as contrárias e até com as inconvenientes.

Viva os Rolling Stones! Ainda hoje merecem ser ouvidos com atenção.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress