Bruno Terra Dias
Sócio Efetivo, Cadeira nº 34
Patrono: Cristiano Benedito Otoni
Agradecimentos
Antes de me pronunciar, gostaria de agradecer. Pois é o reconhecimento um ato de afirmação de nossa natureza gregária, quando o temos em consideração ao semelhante, mas é também ato de fé, quando o temos pelo Criador.
Agradeço, portanto, a Deus, acima de todos, pela vida e pelas inúmeras felicidades com que me agraciou.
Agradeço aos meus pais, que já tornaram à presença de Deus, por tudo que me proporcionaram.
Agradeço meus irmãos e minha família originária, pela continuidade da formação dada por meus pais.
Agradeço minha esposa (Stella) e filhos (José Francisco, Maria Tereza e Maria Clara), amores sublimados que emprestam sentido à vida.
Agradeço aos amigos que fiz pela vida, além do que poderia merecer, constituindo uma rede de boa vontade, por tanto apoio nos mais diversos momentos.
Agradeço meus amigos que fiz nesta casa, que me acolheram e fizeram de mim seu confrade, dentre tantos e escusando-me da falha de a todos não nominar, mas pedindo licença para todos reconhecer nas pessoas do Dr. Jorge Lasmar, nosso presidente; Prof. Herbert Sardinha Pinto; Desemb. Luiz Carlos Biasutti; Dr. José Anchieta da Silva; Desemb. Doorgal Gustavo Borges de Andrada; Juiz Marcos Henrique Caldeira Brant; Profa. Elizabeth Rennó; Profa. Regina Almeida; Dr. Aristóteles Atheniense; Prof. Raymundo Nonato Fernandes; Dr. Josemar Alvarenga.
“Sob a história, a memória e o esquecimento. Sob a memória e o esquecimento, a vida. Mas escrever a vida é outra história. Inacabamento.” Paul Ricoeur
I – Introdução
A Cultura e os Ideais: Liberdade e Felicidade
Em qualquer era, da história que se busca em documentos e relatos de época, ou de uma pré-história revelada em fragmentos e manifestações pictórias, nunca houve, como agora, tantos registros, excessivos até, de memória. Mas realidade de face dúplice, a enormidade do resgate memorial, de que se faz a história, jamais conviveu com tanto esquecimento quanto a pós-modernidade nos oferece, numa miríade de relações aparentemente desconexas que, desde Karl Marx, se diz serem determinadas pela cena econômica. Mas nós, todos nós, permanecemos a fazer nossas escolhas entre o que será lembrado ou esquecido, aproveitado ou descartado, entre a atividade consciente, transformadora, e a repetição mecânica do que nos foi legado. Cada um de nós vive sua história e interfere na do seu semelhante, para o bem ou para o mal, por interesse ou convicção, inconsciente ou sabedor das consequências dos seus atos.
Todo reducionismo da condição humana, a interesses e relações econômicas, não é senão racionalidade aplicada a emoções e sentimentos que de muito transcendem qualquer aninhamento definitivo do que somos, fomos ou seremos. É graças a um caráter inquieto e rebelde que a humanidade transformou a natureza em derredor, identificou e criou problemas, buscou e encontrou soluções. É ao predicado tão humano do inconformismo e descontentamento, da construção de ideais tão etéreos na revelação de seus primeiros defensores, que todos devemos nossa condição e gestamos o porvir.
Não fosse o incompreensível emocional e a vida seria feita de razão. Mas há ideais que ecoam pelo imaginário de todos os povos, que seriam impossíveis sem superação do monocromático interesse econômico. A liberdade, que tão bem Cecília Meireles em forma de encanto apresentou, que a alma alimenta, não há quem não entenda e ninguém sabe explicar, é ideal e sentimento, emoção e calor que ao espírito da Nação aquece. Ao mesmo modo, a felicidade, que é direito natural incessantemente procurar, e desafio maior não há do que a promessa de assegurar, é aspiração individual e coletiva, efêmera como o momento, eterna como a lembrança.
Pois é disso que o melhor da humanidade se faz, de liberdade e felicidade sonhar, e um futuro superior engendrar. Esta é a promessa da República, da Federação, do ideal pelo qual dispuseram-se a morrer os inconfidentes mineiros, a que Cristiano Benedito Otoni deu seguimento. Este é o melhor significado da vida e obra de João Pinheiro da Silva, cujo espírito ilumina esta casa. Este o simbolismo da Cadeira 34, que honra todos aqueles que alçados foram à condição de ser dignitários da tradição de pensamento e ação de vários entre os melhores que nossa terra ofertou à Nação.
“A República sonhada em Minas modelou a vida política dos brasileiros”, é afirmativa de Nereu Ramos em célebre discurso de 21 de abril de 1958, que convidava a alma mineira a infundir vida à pátria, honrando os que, de Vila Rica, afrontaram os maiores sacrifícios, em degredo e morte, com esperanças voltadas à posteridade. O movimento do final do século XVIII, que pôs a girar as perigosas ideias políticas de Independência e República, gerou mártires que descansam no Museu da Inconfidência, deitou raízes na consciência nacional, forjou ideais que ainda hoje nos animam, passando, renovados, de geração em geração.
“Só a virtude é o fundamento da República”, frase que concentra a essência do testemunho de fé hospedado na biografia de João Pinheiro, serviu de título ao discurso pronunciado por Pedro Aleixo na Câmara dos Deputados, por ocasião do centenário de nascimento do homem serrano que, em breves anos de vida modesta e devota, consagrou no cenário político o modelo de vida autenticamente republicana. Não fazendo da pobreza material desculpa para infortúnios, laborou duramente para bacharelar-se em Direito, constituindo escritório em Ouro Preto e pregando as benesses do ideal que o levou, em 15 de novembro de 1888, a fundar o Clube Republicano, em antecipação ao que um ano mais tarde ocorreria. Sua obra não se conta pela assunção de cargos, por pedras fundamentais ou placas de inauguração, mas pelo bronze eterno inscrito na dedicação à causa do bem comum, chegando ao máximo quando, eleito, assumiu a Presidência do Estado de Minas Gerais, jamais pretendendo ou buscando personalizar os atributos de força da administração pública, sempre ciente da transitoriedade dos homens, sejam líderes ou liderados. Entre nós, um sobrinho-neto, confrade dos mais benquistos, nos lembra a imponência ética do patrono da Cadeira 1, atualmente titularizada por outro exemplo de administrador à frente do Estado Minas Gerais, herdeiro das melhores tradições do pensar e agir político mineiro, o ilustre Governador Antônio Augusto Junho Anastasia.
“UMA ESCOLA DE CIVISMO ACIMA DE TUDO”, assim já se pronunciou, em seu emocionado discurso de ingresso, o confrade Herbert Sardinha Pinto, sintetizando a apreciação percuciente da reunião de tantos homens e mulheres que fizeram, fazem e compromissaram-se em proteger como endereço permanente da cultura mineira o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
II – Dois Grandes Homens
Cristiano Benedito Otoni: um realizador
De família modesta e pobre, natural da Vila do Príncipe, Serro Frio, hoje Município do Serro, Cristiano Benedito Otoni era o terceiro dos onze filhos de Jorge Benedito Otoni e Rosália de Souza Maia. Sua vida, exemplar na história do Brasil, deve ser contada a partir de 1723, quase cem anos antes de seu nascimento, ocorrido em 21 de maio de 1811. O recuo de tantas décadas, proposta de Dermeval Pimenta por ocasião do sesquicentenário de nascimento do Patrono da Cadeira 34, explica-se pela necessidade de compreensão da forja de um caráter tão singular na inteira geração de uma família, que resultou na produção de duas personalidades marcantes do cenário político nacional, Teófilo (o primogênito) e Cristiano.
Descendente de família nobre italiana, mas marcado por um pensamento político liberal que o levou ao exílio em Portugal, residindo por quinze anos em Lisboa, o genovês naturalizou-se português, em 1723, sendo seu nome Manoel Antão Otoni. Maravilhado pelo que ouvia da colônia, mudou-se para São Paulo, onde constituiu família. O pensamento liberal seguiu entre seus filhos e netos.
Em data não precisa, por meados dos setecentos, chega ao Serro Frio, vocacionado a trabalhar na Casa Real de Fundição, como fundidor, Manoel Vieira Otoni, neto de Manoel Antão. O fundidor casou-se com Ana Felizarda do Prado Leme, por sua vez descendente da famílias de nobres, navegadores e bandeirantes paulistas. O casal teve vasta prole, educada com as ideias liberais avoengas, pelo lado paterno, e com a coragem e determinação da ancestralidade materna. Dentre os filhos, destacaram-se José Eloy Otoni e Jorge Benedito Otoni. O primeiro, poeta romântico e liberal, bradava pela independência que faria dos brasileiros não mais escravos (embora D. João VI o tenha corrigido publicamente, afirmando que os nascidos no Brasil eram, em verdade, apenas vassalos; a reprimenda real soou bem pior do que se houvesse silenciado).
Jorge Benedito Otoni, bisneto de Manoel Antão Otoni, casado com Rosália de Souza Maia, era arrecadador de dízimos, pessoa acatada no Serro e em Diamantina, de inteligência reconhecida e fácil conversação. Suas ideias liberais naturalmente o encaminharam para a política, tornando-se Vereador da Vila do Príncipe, em 1813; honroso representante da mesma Vila perante a Junta Eleitoral na Província de Minas Gerais, reunida em Ouro Preto, em 1821; membro da Assembléia Legislativa, em que transformada a Junta Eleitoral; proponente da reabilitação da pena de infâmia imposta a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
A ancestralidade marcou fortemente a trajetória de Cristiano Benedito Otoni, que em 1828 buscou limites além do que sugeriam as montanhas. Aos 5 de janeiro mudou-se para o Rio de Janeiro, juntamente com o irmão Jorge Benedito (nome idêntico ao do pai), juntando aos mais velhos, Teófilo e Onório, para cursar a Academia da Marinha. Todos foram acolhidos pelo tio José Eloy, então Oficial da Secretaria da mesma academia. No segundo ano de estudos, em 1829, seu intelecto se entusiasmava por história, direito público, literatura e filosofia, estudando em livros emprestados. Graduou-se em guarda-marinha, em 1830, como primeiro aluno da turma, apesar de reconhecer não ter vocação para a profissão, preferindo o Direito,
Buscando custear a própria vida, sem dependência paterna, tentou a cadeira de geometria na Academia da Marinha, formulando requerimento ao imperador, D. Pedro I. Seu pedido foi negado, pois os Otoni eram havidos como portadores de aspirações contrárias à coroa, segundo o Ministro da Marinha, Marquês de Paranaguá, que pessoalmente interferiu para que o imperador não acatasse o pleito. Certamente as atividades do pai, Jorge Benedito Otoni, pela constitucionalização, e sua pregação liberal, eram de conhecimento real; a insolência de José Eloy Otoni a D. João VI, em 1821, no Teatro São João, no Rio de Janeiro, ainda ecoava; e havia também de considerar as atividades do irmão mais velho, Teófilo, igualmente primeiro aluno da respectiva turma da Academia da Marinha, liberal, de espírito independente e altivo, freqüentador de clubes republicanos e revolucionários, com atuação desassombrada na política, sendo fundador do jornal “Sentinela do Sêrro”, de índole republicana e democrática.
Frustrada a tentativa de recursos para cursar Direito, continuou Cristiano Otoni a carreira da Marinha, matriculando-se no curso de Engenharia da Academia Militar, graduando-se em 1836. No mesmo período foi eleito Deputado Provincial do Rio de Janeiro (1834, aos 23 anos) e obteve a cátedra de Matemática, da Academia da Marinha, por concurso público (aos 24 anos). Casou-se, em 1837, com Bárbara Maia. Essa fase da vida foi profícua, produzindo diversos livros sobre aritmética, álgebra, geometria e trigonometria, que foram amplamente adotados pelas escolas no Brasil. Em 1846, publicou “Teoria das Máquinas a Vapor”. Na mesma época, foi Oficial de Gabinete do Ministro da Marinha. Em 1848, foi eleito Deputado-Geral por Minas Gerais.
Sua vida sofreu grande transformação em 1855, quando deixou a vida acadêmica para tornar-se dirigente de uma empresa ferroviária, atividade que começava a se instalar no país, na qual iria se notabilizar. A Estrada de Ferro D. Pedro II teve por primeiro presidente o grande liberal republicano, Patrono da Cadeira 34 (nomeado presidente, o Visconde do Rio Bonito, que havia presidido a comissão organizadora da companhia, recusou a honraria, assumindo o vice-presidente, Cristiano Benedito Otoni). O imperador, mesmo cônscio do pensamento político de todos os Otoni, reconhecia em Cristiano as qualidades imprescindíveis a liderar um empreendimento que significava a opção modernizadora dos transportes e economia para as províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Cercou-se de corpo profissional especializado, para as questões técnicas, e empenhou-se profundamente nas tarefas de administração, tal como pontificou na obra “O futuro das estradas de ferro no Brasil”, que publicou em 1859.
Sua administração exemplar viabilizou a transposição ferroviária da Serra do Mar, um desafio de engenharia para o qual não havia mão de obra especializada no país. Pessoalmente comandou os trabalhos, indo a campo tantas vezes, apreciando estudos dos engenheiros contratados nos Estados Unidos. Arrostou forte resistência, no Gabinete, na Câmara, no Senado e na Imprensa, pois ninguém acreditava na capacidade técnica de superação do desafio de engenharia representado pela Serra do Mar. Apoiado pelo imperador, realizou tarefa que nenhum outro teria coragem cívica de assumir na mesma época. Por dez anos administrou a companhia. Com múltiplos talentos, projetou o futuro ferroviário do país, fixou normas e procedimentos para o resultado econômico do empreendimento, venceu embates políticos de toda ordem, com ministros e parlamentares.
Sua atividade política, após as experiências parlamentares de 1834 (Deputado Provincial do Rio de Janeiro) e 1848 (Deputado-Geral pelo Partido Liberal da Província de Minas Gerais), estendeu-se em mandatos como Deputado-Geral pela província de Minas Gerais, Conselheiro de S. M. o Imperador D. Pedro II e Senador pelas províncias do Espírito Santo e Minas Gerais. Recusou convites para ser Ministro da Agricultura e da Marinha.
Faleceu em 17 de maio de 1896, a poucos dias de completar 85 anos, no exercício de mandato como Senador. É reconhecido como “Pai das Estradas de Ferro do Brasil”.
Serafim Ângelo da Silva Pereira: digno representante de sua gente
Último titular da Cadeira 34 desta Casa de Cultura, Serafim Ângelo da Silva Pereira foi homem raro, que dedicou sua vida ao estudo e compreensão de sua terra, à divulgação das melhores tradições locais, no que há de universal nos valores culturados, honrando seus conterrâneos de todas as épocas.
Filho de João Antônio da Silva Pereira e de Orlinda Costa da Silva Pereira, nosso ilustre antecessor nasceu em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, onde o grande serrano, irmão mais velho de Cristiano Otoni, sonhou e construiu Nova Filadélfia. Sua longa e profícua vida desenvolveu-se entre 30 de novembro de 1919 e 18 de setembro de 2010, datas entre as quais conheceu, amou e constituiu família com Olga Barbosa da Silva Pereira. Da sagrada união recebeu o casal as bênçãos por oito filhos e dezessete netos.
O nome composto de Serafim Ângelo resulta de possível homenagem ao Frei Serafim de Gorizia e ao Frei Ângelo de Sassoferrato, que chegaram a uma região inóspita, entre os Vales do Rio Doce e do Mucuri, em 19 de fevereiro de 1873, para lá fixarem um aldeamento de catequese de indígenas, permitindo o povoamento e o desenvolvimento de colonização. Essa terra, submetida à jurisdição da comarca de Teófilo Otoni, emancipou-se, tornando-se Município de Itambacuri, em 1924. Em 1948, o município tornou-se comarca.
Residindo em Itambacuri desde tenra idade, na cidade desenvolveu diversas atividades que a engrandeceram e auxiliaram a tornar-se mais aprazível, desenvolvida e civilizada. Tão influente o registro de sua vida para a cidadania local que empresta seu nome ao órgão guardião da cultura local (Casa de Cultura Serafim Ângelo da Silva Pereira).
Homem múltiplo, desempenhou por sua querida Itambacuri as mais diversas atividades, dentre as quais: redator e diretor do Jornal Estudantil (1934/1938); presidente do Clube Literário (1938); fundador da Cooperativa de Produtores Rurais de Itambacuri – Copril (1940); Juiz de Paz (1941/1943); Inspetor Escolar (1940/1947); serventuário do Cartório de Registro Civil (1946); funcionário da Secretaria de Estado da Fazenda (1946/1973); fundador do Jornal O Sentinela; fundador da firma Indústria e Comércio de Madeiras e Derivados (1974); supervisor de administrações municipais (1951/1954 e 1959/1960); vereador (1977/1982); autor do Código Tributário Municípal de Itambacuri (1960); membro da Sociedade São Vicente de Paulo, desde junho de 1949; presidente do Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral (1970/1973); fundador e presidente de divisão do Lions Club em Itambacuri e Teófilo Otoni; provedor do Hospital São Vicente de Paulo, em Itambacuri.
Durante tantos anos dedicados à cultura, publicou: Mote e sua História; Dr. Firmato – O homem, a luta, as vitórias; Frei Inocêncio, sua vida e sua obra; Itambacuri e sua História (obra de referência sobre a história local, em 3 volumes).
Serafim Ângelo foi exemplo de homem verdadeiramente bom e justo, no testemunho dos que o conheceram, especialmente os confrades do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
III – A Simbologia da Cadeira 34
Cristiano Ottoni tem seu nome gravado na história do Brasil. Sua personalidade marca, com o exemplo de uma vida dedicada ao desenvolvimento e ao bem comum, na qualidade de patrono da Cadeira 34, uma simbologia que a todos os seus ocupantes obriga necessária reflexão sobre os temas transcendentes da República e da Federação.
República e Federação são palavras que não se perdem na realidade, mas que constituem o imaginário revolucionário da confiança, da descentralização, da responsabilidade e do mérito. Sonhos, para alguns, profissão de fé, para outros, o significado dessas palavras ocupou o melhor das mentes políticas através dos tempos; foi solução para guerras e afirmação para povos que se tornaram referência na história do concerto das Nações.
Em célebre passagem do diálogo entre Cipião, Lélio, Tuberão e outros, Cícero firma definição de República ao mesmo tempo elegante e clássica, fazendo-o pela boca do Africano nos seguintes termos: “É, pois, a República coisa do povo, considerando tal, não todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que tem seu fundamento no consentimento jurídico e na utilidade comum.” A recordação e compreensão do sentido orientador da autêntica República é algo de que se ressente nosso país, pois são relativamente poucos os que pautaram e pautam sua conduta com fidelidade à refinada percepção e elaboração política do grande filósofo e estadista romano.
Não podemos nos esquecer de que na política de um país continental, com a diversidade social, histórica, econômica e cultural que o Brasil ostenta, a liberdade das diversas regiões tem nome: federação. Unidade nacional não se confunde com Estado Unitário, mas o respeito aos muitos modos de ser, às experiências próprias dos condicionamentos históricos, econômicos e sociais, somente se dará com o reconhecimento das autonomias regionais. Não bastando o idioma para criar identidade nacional, a falta ou desatualização de um pacto federativo decai sob forma de resistências desagregadoras, cuja força não estancará no espírito do povo.
Tamanha é a força do ideal de liberdade e do sentimento que nos leva à busca da felicidade, que nenhum governo será legítimo, na investidura como no exercício, sem os respeitar nas mais diversas formas de expressão.
Um novo pacto, que una estados e municípios, redistribua as competências tributárias sem aumentar a tributação, estabeleça novos parâmetros de cooperação entre as instâncias de poder, fixe padrões éticos de convivência entre os entes federados, estanque rompantes de deletéria guerra fiscal e permita maior harmonia na consecução do bem comum é aspiração imediata. Sua necessidade não reclama teorizações, pois está nas ruas, clamando em todos os quadrantes do país por reconhecimento e boa vontade. Que a União dê o primeiro passo, é ato de grandeza esperada; que estados e municípios acompanhem, aplainando suas eventuais divergências sob inspiração dos princípios de valorização da pessoa humana e diminuição das desigualdades regionais, é imposição do bem comum.
O momento é propício, mas nenhum debate válido se estabelecerá sem reconhecer a trilha percorrida por nossos antecessores. Afinal, o passado gesta o futuro, um ao outro não podendo ignorar.
Cônscios de que a participação nos destinos da Nação é predicado de quem ao ócio e aos luxos momentâneos do poder não se entrega, brasileiros da mais elevada estatura ética cultuaram ideais, arrostaram dificuldades de toda ordem, na vida pública como nas atividades de caráter privado, sem se deixar abalar nem demover. Dessa estirpe são exemplos os mineiros da Inconfidência, Cristiano Benedito Otoni, patrono da Cadeira 34 desta mais elevada Casa de Cultura de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek de Oliveira, Tancredo de Almeida Neves e outros meritórios que brotaram deste chão onde se misturaram currais de gado e mineração para forjar o espírito indômito da nossa gente.
IV – Encerramento
Neste momento, marco final da oportunidade de agradecer e externar a grande felicidade de estar entre os amores que cultivei, a família que me abraçou e tantos amigos que colhi na jornada, pontuando sobre a síntese norteadora da pessoa de bem, proponho a todos seguir o exemplo de João Pinheiro, fundador desta casa: sua grandeza ética e política protegeu o patrimônio público de ambições por inversões patrimonialistas; sua consciência e determinação, o escrúpulo no trato da coisa pública não deixaram margem a que dúvidas fossem suscitadas quanto aos princípios de sua administração como Presidente do Estado de Minas Gerais. Somente políticos de tal envergadura, sempre escassos entre os povos, de que Minas Gerais é referência nacional, tanto por seu passado como no presente e apontando para o futuro da Nação, farão na nossa terra que as promessas da República e da Federação se materializem em liberdade e felicidade para todos.
Muito obrigado.