12 DE NOVEMBRO

Compreender o 12 de novembro exige conhecimento de tempo, ideias, cultura e fatos. Não existe uma data significante em si, porém, sempre atrelada a algum acontecimento, a algum personagem, a um momento histórico. Lançada a esmo, uma data pode implicar indagações extremamente diversificadas, perdidas e desfocadas, por não haver em seu favor uma notória festividade em comemoração, a despeito do que possa haver registrado. Uma data encerra imprevisões e improbabilidades, tão extensas quanto pensar na infindável série de coincidências genéticas para que cada um de nós pudesse nascer. Dir-se-á que ser, estar no mundo de ideias e fatos para dele participar, como coadjuvante ou protagonista, já é um paradoxo. Que dizer, então, do herói e do mártir, daqueles que, reconhecidos ou não pela posteridade, deram suas vidas por uma causa, uma ideia, para fazer Justiça?

É próprio do saber humano o erro de atribuir fatos reais a seres imaginários, fatos irreais a seres reais, reconhecer incertezas confiantes e desprezar verdades tímidas. Esse é o padrão de imperfeição comum à nossa espécie, frequentemente levada por intenções de terceiros que desconhece, pela irreflexão, pelo preconceito, absolutização do provisório, apego ao transitório. Não há, humanamente, o puro em si, o desafetado de incoerência e inconstância, porém, sempre a incidência de variáveis talvez desconhecidas e outras circunstâncias de defesa e ocultação indevidas. O representante do final de uma era não é menos respeitável, mas seus olhos podem ser percebidos por muitos ângulos, pois sua alma está exposta. Assim são heróis e mártires, dos quais tantos finalizaram com seu sacrifício um momento histórico para inaugurar o novo e permitir que se realize o horizonte no porvir.

Nem sempre o tempo da narrativa coincide com o melhor momento do leitor, como a intenção por detrás do fato pode não coincidir com a do relato. Há incógnitas a serem supridas e respondidas, como a geografia evoca a história e o espaço lembra o tempo em aproximações imperfeitas e desgaste de consciências no embate entre a história das massas submetidas diferenciando da dos soberanos. Há o descontínuo entre uma metáfora da vida e outra da morte, o que não se repete quando relegamos um pensar estanque para abraçar o complexo de realizações e de frustrações implicado a cada instante. Um deslocamento do eixo de locução, do erudito ao popular, da aceitação à negação, do reconhecimento ao desprezo, é corrente em narrativas que beneficiam, de algum modo, quem se aventura em construir o insustentável ou negar o evidente, destruir fatos e deportar protagonistas.

O berço de uma política seletiva por conveniência é a desordenação do saber, a ordenação da decadência, o furor das ideias do que pode ou não pode ser. No entanto, a morte do nome consagrado ao ato heroico inusitado não empalidece suas ideias e convicções, porém pode eternizá-las para muito além das circunstâncias de momento. Mais do que ao tempo dos fatos e respectivas interpretações, frequentemente tortuosas, o esforço intelectual a serviço de uma concepção de política de Estado impõe palavras a quem não as teve, esquecimento a quem deveria ser lembrado, ternura à traição e à tortura, esquecimento e desventura.

Histórias exemplares incluem o que foi apartado, porque o povo fala por símbolos, muito além do que as palavras aparentemente limitam. O grande homem, herói ou mártir, fala mais profundamente em sua morte, mesmo quando amaldiçoado, lançando à posteridade indagações fundamentais: qual é a verdade histórica?; a do tempo da narrativa?; a do tempo do discurso do historiador? Nem sempre a coincidência entre fato e narrativa aparece no discurso do historiador, especialmente quando disposto à composição da conveniência ideológica de seu financiador, porque o intelectual a serviço é quase um escravo, eterno devedor. É assim que adquire sentido a advertência de que por traz do amor existe uma traição, já que o intelectual de favor ou remuneração com facilidade deturpa a história. Se as emoções são verdadeiras, os discursos nem sempre; há tanto de mito poético quanto político.

O inferno é a ignorância, sempre cumulativa, não saber da vida, não saber a palavra, não saber a morte que fala e diz eloquentemente o homem. O mediterrâneo brasileiro, feito de montanhas e vales, era o sertão mineiro do século XVIII, desbravando terras auríferas, procurando pedras, margeando o rio São Francisco, e contava muitos casos críveis de eventos inaceitáveis. Escritor e leitor não são imparciais, pois levam consigo sua cultura, sua religião, suas intenções e todos os significados da palavra, mas não devem mentir nem falsear, muito há por minerar, extraindo das entranhas dessas terras suas verdades.

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